segunda-feira, 15 de junho de 2015

Valendo de suas experiências de vida, Hugo Pratt criou obra-prima dos quadrinhos

Mais empolgante que as aventuras de Corto Maltese talvez só tenha sido a história de vida de seu criador, Hugo Pratt. Não somente sua carreira como artista que é digna de nota, mas sua vida pessoal foi tão atribulada e aventuresca que não é de se admirar que a sua principal criação tenha se notabilizado pela precisão e exuberância de sua narrativa. Pratt esteve nos dois lados da Segunda Guerra Mundial, como prisioneiro dos nazistas e (depois de liberto) como tradutor e produtor de shows para o lado dos aliados. Em 1949, mudou para Argentina onde fundou a "Escola de Veneza" ao lado de quadrinistas célebres como Héctor Oesterheld, Mario Faustinelli, Dino Batagglia, Paolo Campani e Alberto Ongaro, ao lado dos quais criou outros personagens tão marcantes quanto o marinheiro sem nau.

As aventuras de Corto Maltese são frutos da fase mais madura de Pratt, criadas após o seu regresso à Itália em 1965. Foi com A Balada do Mar Salgado que ele deu início a tudo, apresentando o seu personagem de espírito livre, rebelde e ousado em boa parte inspirado por escritores clássicos também identificados com a temática sobre viagens, como Robert Luis Stevenson, Ernest Hemingway e Rudyard Kipling. Muito além da óbvia referência, Pratt expandiu o gênero na medida em que adicionou um componente visual inconfundível, composto ora por uma aquarela pesada, composto por blocos de nanquim, ora por um traço fino e delicado. Tudo isso, aliado a um senso incrível de fluidez narrativa e dinamicidade do traço, fez com que Pratt revolucionasse a forma como os quadrinhos são vistos: mais como arte e menos como uma manifestação cultural menor.

A Balada do Mar Salgado é também uma história incrível. Não só pela história em si, mas também pelo modo como ela é contada. O talento de Pratt proporcionou uma infinidade de cenas inesquecíveis e diálogos sem igual. O caráter dúbio de Corto deixa o roteiro completamente imprevisível para o leitor de primeira viagem e, convenhamos, há poucas coisas mais chatas do que heróis românticos. Maltese, ao revés, é o legítimo anti-herói. Não está preso às regras e convenções e age conforme lhe aprouver no momento. Não guarda ressentimentos e possui palavra. Talvez essas características pareçam contraditórias, mas Pratt as deixa perfeitamente críveis e pertinentes.

Balada se passa durante a Primeira Guerra Mundial no sul do Oceano Pacífico, lugar em que os alemães se aliaram a piratas locais para abater embarcações comerciais em busca de recursos. No centro das negociatas está Raspoutine, um dos mais odiáveis personagens dos quadrinhos (no bom sentido, claro) e antagonista direto de Maltese. Este, com o perdão do trocadilho, embarca nessa por acaso. À deriva no mar após ser expulso da embarcação daquele em que viajava, Corto é resgatado pela por Rasputin, que o envolve na sua trama contra os alemães. 

A partir daí se desenvolve esse épico marítimo, com inúmeros desdobramentos e reviravoltas. Em nenhum momento ao longo de suas mais de 160 páginas a leitura se torna monótona. Pratt demonstrou exímia habilidade na construção de seus personagens e condução dos acontecimentos, sem perder de vista o elemento visual. Desse casamento perfeito entre texto e desenho que se pode compreender o porquê dessa obra ser considerada clássica.

Corto Maltese - A Balada do Mar Salgado
Corto Maltese: La Ballade de La Mer Salée
***** 10
Casterman | 1963
Pixel | janeiro de 2006
Roteiro e Arte: Hugo Pratt

sexta-feira, 19 de abril de 2013

[Review] Batman: Asilo Arkham | Morrison e McKean

A Panini lançou recentemente a edição definitiva de uma das graphic-novels de maior sucesso das história: Asilo Arkham. A última publicação foi da própria Panini em forma de encadernado há dez anos atrás. O volume agora lançado é o equivalente à edição americana em que se comemorou os 15 anos do lançamento da obra. Capa dura, papel de ótima qualidade, cheios de extras (inclusive o roteiro original com comentários de Morrison e Mckean) e com posfácio de Karen Berger tentam justificar o preço salgado de sessenta reais geralmente cobrado no mercado. Porém, apesar do apuro editorial e gráfico, ela não está imune a algumas críticas.

O que mais se destaca nessa nova versão é o novo letreiramento. A graphic-novel é muito cerebral, fazendo muito uso de conceitos oníricos e psicológicos e as letras tem o importante papel de passar o caos e confusão mental dos personagens, especialmente do Coringa. A parte inicial da obra é marcado por várias falas que são grafadas com letras pouco estilizadas se comparadas às versões anteriores da Abril e da própria Panini. Aqui, o leitor chega a ter dificuldades para identificar o conteúdo de tão pequenas e apagadas está o letreiramento. A melhor opção seria manter o trabalho de Lilian Mitsunaga das versões anteriores.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

[Maratona Sandman] Sandman #27

Estação das Brumas
Capítulo 6

"Tudo se move e se transforma, Matthew. É como trilhar  um caminho por entre as brumas".

A noite de recepção passa e chega o momento de Morfeus decidir sobre o destino do Inferno, cujo chaves é atualmente o detentor. Apesar de ter passado a noite em reflexões, ele não possui uma resposta a dar a seus peticionários, até a visita dos anjos Remiel e Duma...

Comentários | Momentos decisivos nessa edição de Sandman.  Depois de Morfeus muito quebrar a cabeça com a sagaz armadilha criada por Lúcifer, chega o momento dele decidir o que fazer com o vasto reino ganhado. Os pretendentes eram muitos, o clima amistoso praticamente não existia e o Rei dos Sonhos sofreu pressões de todos os lados, principalmente do demônio Azazel, que sequestrou Nada e pretendia fazer dela sua moeda de troca.

terça-feira, 26 de março de 2013

[Review] Marvels | Kurt Busiek e Alex Ross

Não foi fácil me decidir sobre qual seria o conselho ideal para o leitor pouco familiarizado com o universo Malvel e que deseja ler Marvels. Digo isso, porque quando eu li a obra, eu estava precisamente nessa situação. Na época, tinha pouca familiaridade com os personagens da Casa das Ideias, fazendo com que a leitura não primasse pela desenvoltura que certamente ela possui com leitores mais maduros nesse aspecto. Pois bem, ocorre que justamente em virtude da leitura obra (a rigor, da minissérie) que me interessei em querer ler mais sobre os heróis que povoam as suas páginas. 

Por isso o impasse sobre o que recomendar ao leitor neófito: ler a obra correndo o risco dela não ser apreciada em sua integralidade ou esperar, deixando para ler quando o leitor conhecer mais de seus personagens? Depois de alguma reflexão percebi o quão enganado estava sobre a questão toda. 

A verdade é que seria um contrassenso não recomendar a qualquer pessoa que gosta de quadrinhos que deixasse de ler essa obra ímpar. Ainda que a primeira leitura possa não flua adequadamente, nada impede que leitor interessado não faça a sua releitura tempos depois. Aliás, essa talvez seja a melhor forma de ter contato com a obra, permitindo que o leitor perceba o quão a obra melhora de uma leitura pra outra.


segunda-feira, 25 de março de 2013

[Maratona Sandman] Sandman #26

Estação das Brumas
Capítulo 5

"Se ao menos fosse mais fácil. 
Se ao menos eu pudesse jogá-la fora"

Depois de receber todos os peticionários e observadores nos domínios do Sonhar, Morfeus oferece um banquete para todos antes de recebê-los em seus aposentos e ouvir suas propostas.

Comentários | Sandman volta ao Reino dos Sonhos e dá continuidade aos eventos em que Morfeus recebe uma horda de interessados e curiosos sobre o futuro do Inferno. Não são poucos aqueles que querem se apoderar das chaves daquele domínio. Cada um com sua motivação e seus argumentos de modo a convencer que sua pretensão é a melhor e deve ser acolhida. Além disso, cada pretendente tem sua moeda de troca. A narrativa explora cada um desses personagens, de modo a traçar um cenário geral que fornece a dimensão do problema que Morfeus precisa administrar.

sábado, 23 de março de 2013


Depois de uma semana de hiato, o Magazine está de volta trazendo os mais importantes highlights da semana no mundo dos quadrinhos, no Mural HQ. Confira!

sexta-feira, 22 de março de 2013

[Review] Monster: Volume 5 - After the Carnival

"Olhe para mim! Olhe para mim! Veja como ficou grande o monstro dentro de mim!” Para tentar decifrar a misteriosa mensagem deixada por Johan, Tenma visita um velho amigo de faculdade que se tornou um famoso psicólogo criminalista. Porém, a policia aperta cada vez mais o cerco contra o médico.

Comentários | E continua o mistério... Como ressaltado na resenha da edição anterior, continuamos sem saber (e por um bom tempo ficaremos assim) como Johan realmente é. Apesar desse constante ocultamento, ele é o mote para todas ações da série. Todos o procuram e pelos mais variados motivos. Naoki Urasawa continua sendo bastante habilidoso em alimentar esse mistério, pois mesmo sem dar as caras, tudo gira em volta de Johan, quase tudo é feito em seu nome ou contra ele, alimentando um caos absurdo sem sequer sua presença física. Isso só faz alimentar o mito desse gênio do mal que, ainda que a distância, é o autor intelectual de praticamente todos os tramas apresentadas.


quarta-feira, 20 de março de 2013

[Tiradas Nona Arte] Overman | Laerte











Ainda que super-heróis nacionais tenham atualmente pouquíssima repercussão nos quadrinhos, eles constituem num número razoável de personagens. De pouca exposição sim, mas não se pode acusá-los de ser menos marcantes que seus equivalentes gringos. Somente para citar alguns exemplos mais famosos, o panteão brasileiro é composto com figuras do calibre de Necronauta (criação de Danilo Beyruth), Vigilante Rodoviário (inspirado no seriado da TV Tupi de 1961) e Lobo Guará (criação de Carlos Henry, nascido em fanzines e que ganhou um arco de 3 edições publicados pela Editora Escala em 2003). Somando-se a esse time, está a contribuição de Laerte: Overman!

terça-feira, 19 de março de 2013

[Review] A Máquina de Goldberg | Vanessa Bárbara e Fido Nesti

Artigo originalmente publicano no Pipoca e Nanquim

Sabe aquelas geringonças mirabolantes armadas para realizar um simples ato, passando por uma infinidade de estágios conectados entre si, podendo incluir desde um gato se espreguiçando até o acionamento de uma ampulheta? Então, esse sistema é conhecido como máquina de Goldberg e é de importância central para a graphic-novel de mesmo nome escrito pela jornalista Vanessa Bárbara e pelo ilustrador Fido Nesti.

A obra conta o típico drama de um adolescente que sofre bullying. O alvo das gozações é Getúlio, garoto que parece incorporar todas aquelas característica que podem deixar alguém muito impopular e perseguido. O suplício do garoto aumenta quando ele e sua turma de colégio vão passar uma temporada num acampamento de verão, ironicamente chamado de "Montanha Feliz". Lá ele é posto em várias situações embaraçosas que o faz sofrer ainda mais com a perseguição dos colegas e do instrutor do lugar. 

segunda-feira, 18 de março de 2013

[Maratona Sandman] Sandman #25

Estação das Brumas
Capítulo 4

"A gente aprendeu tudo que tinha pra aprender na escola. Agora vamos ver o que a vida tem a oferecer."

As férias escolares chegaram e Charles Rowland não tem para onde ir. Seu pai estava no Kuait e ele não tem ninguém com quem ficar, além da enfermeira e do diretor do internato. Sua rotina de passar os dias na biblioteca é interrompida quando antigos alunos e professores voltam do inferno e passam a assombrar o lugar.

Comentários | O que era previsível aconteceu: os mortos que outrora habitavam o inferno estão voltando ao plano terreno e essa edição de Sandman retrata precisamente esse fenômeno. A perspectiva escolhida por Gaiman foi de um solitário garoto dentro de um misterioso e deserto internato. Melhor cenário para uma história de terror não há. Somente o pequeno Charles não parece um personagem saído do filme A Noite dos Mortos Vivos (clássico do terror de George Romero). Porém, o garoto se mostra alheio a todo esse cenário apavorante e encara sua situação com resignação, talvez porque nada pode ser pior do que ser abandonado pelo pai. Sua aura melancólica é evidente.